“A astrologia é uma ferramenta, uma linguagem, o veículo por meio do qual o homem consegue desdobrar a amplitude de seu ser maior para perceber-se como parte integrante do mundo natural em que vive”. Martin Schulman
Pensar a respeito da prática astrológica inserida no contexto do paradigma sistêmico foi um caminho natural para mim. Em 2001 tive os primeiros contatos com a epistemologia sistêmica e me apaixonei. Comecei a me dedicar a leituras sobre o assunto e no início de 2003 iniciei uma formação em Terapia Familiar com enfoque Sistêmico no Instituto da Família de Porto Alegre. A Astrologia, também uma paixão desde a adolescência, se fez presente de uma forma mais madura em 2005, quando iniciei a formação em Estudos Avançados de Astrologia na Unipaz-Sul.
O amor por estes dois saberes me trouxe ao presente momento. Tenho me dedicado exaustivamente a pensar em como seria uma prática astrológica – no âmbito da clínica – que partisse dos pressupostos do paradigma sistêmico para realizar sua ciência. Tenho utilizado a Astrologia como uma ferramenta em Psicologia Clínica e percebo que o mapa proporciona um aceleramento quanto ao autoconhecimento, além de ajudar nos processos de responsabilização pessoal pela própria vida. O que apresento aqui são algumas idéias ainda inacabadas, mas que servem de ponto de partida para novos questionamentos.
Sob que aspectos a Astrologia pode ser considerada uma ciência? Em geral, ela pode ser denominada ciência simplesmente por compreender um conjunto de princípios e leis que foram acumulados por meio da observação; muitos desses princípios podem ter sua confiabilidade testada e observada. Toda ciência cresce e muda constantemente, as teorias vêm e vão, são descartadas ou aprimoradas, são englobadas numa teoria mais completa; a Astrologia não foge à regra. A Psicologia astrológica atualmente disponível constitui uma espécie de psicologia cósmica, que utiliza uma linguagem precisa e contemporânea para descrever predisposições individuais elucidando o mistério da natureza humana de forma mais ampla do que a psicologia ortodoxa (Arroyo, 1989).
Mudança de paradigma
A história recente da ciência fundamentada no Positivismo (Augusto Comte, 1798 -1857) postula que leis gerais que não são passiveis de experimentação e dedução matemática são metafísicas e não têm valor cientifico. Existe a crença numa verdade única calcada na “coisa” e não no homem, ou seja, o sujeito deve anular-se para que a “coisa” apareça, configurando a exigência da objetividade. A verdade deve ser mensurável e passa pela exigência de testemunhos e garantias fornecidas pela experiência: só a observação confiável, fidedigna, que foi compartilhada, pode fundamentar as afirmações. Há a exigência da neutralidade: as afirmações dos cientistas devem ser impessoais e eles devem apresentar apenas os resultados de sua pesquisa, logo proposições marcadas por posições pessoais não são científicas.
Acontece que, com as novas descobertas nas áreas da física quântica, química, biologia molecular entre outras, se percebeu que estas exigências teriam de ser modificadas, pois não tinham como abarcar estas novas descobertas. A exemplo da física quântica, que postula que o olhar do observador interfere no objeto observado, onde um fóton de luz se comporta ora como onda, ora como partícula, como se poderia garantir a objetividade e a neutralidade dos fenômenos?
Segundo Esteves de Vasconcellos (2008), a ciência está trazendo novidades num ritmo acelerado, tornando essas novidades presentes simultaneamente em todos os pontos do nosso planeta. Isso está gerando um forte impacto em nossa organização social e exigindo de todos nós profundas mudanças em nossa forma de estar no mundo. O mundo atual excessivamente complexo acusa a ciência de não dar conta de responder as novas necessidades instaladas. Passa-se então a falar da urgência de se adotar um “novo paradigma”, sob pena de não se acompanhar o fluxo de vida no planeta no terceiro milênio.
A palavra paradigma vem do grego parádeigma, que significa “modelo”, “padrão”, como conjunto de regras e regulamentos. Este termo entrou em evidencia depois que foi amplamente utilizado por Thomas Kuhn, em 1962, em seu livro A estrutura das revoluções cientificas. Além de influir sobre nossas percepções, nossos paradigmas também influenciam nossas ações: fazem-nos acreditar que o jeito como fazemos as coisas é o “certo” ou “a única forma de fazer”. Assim, costuma impedir-nos de aceitar novas idéias, tornando-nos pouco flexíveis e resistentes a mudanças.
Nesta obra, o autor revela que, em geral, as pessoas que criam novos paradigmas são pessoas que, sendo de fora de determinada área de conhecimento, não estão amarradas aos velhos paradigmas e, portanto, não têm nada a perder. Desta forma, os movimentos de mudança costumam começar pelas bordas, nos limites da área em questão. Os pioneiros do novo paradigma têm de ser corajosos, porque ainda não há provas de que é assim – do jeito novo – que se deve fazer. De fato todos nós podemos mudar nossas regras e nossos regulamentos, decidir ver o mundo de modo diferente.
De acordo com Morin (1995), a mudança de paradigma é difícil e lenta, pois a mudança de premissas implica o colapso de toda uma estrutura de idéias. Conscientizarmo-nos de nosso paradigma – e questioná-lo – requer esforço e não é um processo fácil. Ao contrário, é quase sempre um processo doloroso. Diante dos questionamentos, as pessoas costumam sentir-se confusas, como se estivessem de cabeça para baixo.
Paradigma cartesiano versus Paradigma Sistêmico
No intuito de traçar um paralelo entre estes dois momentos – ciência clássica e paradigma emergente da ciência – utilizo a forma que, para mim, se mostrou a mais didática e está descrita em detalhes no livro Pensamento Sistêmico: o novo paradigma da ciência (2008), de Maria José Esteves de Vasconcellos. Neste livro a autora descreve o avanço cientifico com base em três dimensões ou três pressupostos básicos. Se na ciência tradicional nos deparamos com um universo simples, estável e objetivo, no paradigma sistêmico passamos a ter de lidar com um universo complexo, instável e intersubjetivo. Abaixo temos a descrição de cada um deles, que mais tarde irão nos servir para pensar sobre a Astrologia vista sob o enfoque sistêmico.
Simplicidade versus Complexidade:
– o pressuposto da simplicidade (cartesiano): na ciência clássica existe a crença de que, separando-se o mundo complexo em partes encontrar-se-ia o elemento simples, e que é preciso separar as partes para entender o todo. Daí decorrem a atitude de análise, a classificação dos fenômenos e objetos e a busca de relações causais lineares. O exercício de classificar exige que estejamos sempre decidindo entre uma coisa ou outra. De acordo com a lógica, o objeto não pode pertencer simultaneamente a duas categorias. Ele não pode ser ele e não-ele. Um bom sistema cartesiano de classificação deve se constituir de categorias excludentes entre si. Isto desenvolve a atitude ou-ou: ou as situações são boas ou são más, as pessoas são amigas ou inimigas, certo ou errado etc. É dessa atitude simplificadora, analítica e reducionista que resultam a compartimentação do saber e a fragmentação do conhecimento em áreas ou disciplinas, onde cada um é especialista em seu território.
– o pressuposto da complexidade (sistêmico): Inicialmente os problemas da complexidade foram vistos como específicos da Biologia, pois se tinha intuitivamente a noção da complexidade dos organismos vivos. Na Física, a complexidade começou a ser questionada quando Niels Bohr em 1927 criou o princípio da complementaridade que postula a dualidade onda/ partícula do elétron, afirmando que proposições contraditórias eram de fato complementares. No ramo da Sociologia e Filosofia, a complexidade começou a ser discutida por Edgar Morin na década de 1980. Com o reconhecimento da complexidade teve início a idéia de transdisciplinaridade como uma possibilidade de transcendência das especialidades, a partir de uma construção conjunta do conhecimento.
Complexidade (do Latim complexus) quer dizer ‘tapeçaria”, “o que está tecido em conjunto”. Pensar a complexidade significa visualizar o objeto em contexto. Nada no universo existe de forma isolada, tudo está interligado, é através das relações existentes entre as partes que podemos ter notícia do todo. Todavia, estamos acostumados a pensar o individual esquecendo que este está sempre vinculado a algo maior – sistemas dentro de sistemas. Portanto, a lógica do pensamento complexo nos leva a uma ampliação de foco do individual para o relacional.
É claro que quando estamos lidando com as relações iremos sempre nos deparar com questões contraditórias, a contradição é inerente à complexidade. Não se trata aqui da necessidade de buscar uma síntese para a contradição ou reduzi-la a uma verdade única, mas de criar espaços de diálogo para confrontá-la e superá-la. Por exemplo, no pensamento dialético, ao lidarmos com o branco e com o preto encontramos o cinza para realizar uma síntese entre os dois; mas com o pensamento dialógico, o preto é preto e o branco é branco, não há a necessidade de se criar um elemento único, ambos são importantes e válidos e a idéia seria de promover um espaço de diálogo entre eles que supere a síntese. Ao contrário da objetividade, que postula a necessidade de categorias excludentes entre si, o pensamento complexo preza a atitude “e – e”, “isto e aquilo”. Morin (1995) utiliza a idéia do princípio dialógico como uma saída para o impasse da contradição, que define como a capacidade de unir conceitos que se contrapõem, considerados racionalmente antagônicos e que até então se encontravam em compartimentos fechados.
Estabilidade versus Instabilidade:
– o pressuposto da estabilidade (cartesiano): a crença em que o mundo é estável, passível de controle e pode ser determinado, ou seja, “o mundo já é”, e que nele as coisas se repetem com regularidade. Portanto, temos um mundo ordenado e constante, com leis estáveis que podem ser conhecidas. Ver o mundo sob este enfoque dá margem a acreditarmos que temos o poder de manipular todos os fenômenos.
– o pressuposto da instabilidade (sistêmico): refere-se às idéias de indeterminação, caos, desordem, incerteza, imprevisibilidade e devir, ou seja, o mundo está em constante processo de vir a ser. A Física saiu do determinismo para chegar no indeterminismo através da segunda lei da termodinâmica ou lei da entropia. Entropia em grego também significa evolução e é concebida como uma medida de desordem molecular. É a desordem que gera o crescimento.
Prigogine (1996), ao estudar sistemas distantes do equilíbrio, percebeu que quando acontecia uma flutuação, aqui entendida como período de crise, estes deixavam seu curso natural de funcionamento e escolhiam, dentre alternativas disponíveis, um novo regime de funcionamento. Estas flutuações poderiam ter origem interna, ou seja, geradas espontaneamente pelo próprio sistema; ou externas, flutuações causadas pelo ambiente. Isto é chamado de salto qualitativo em um ponto de bifurcação. Portanto, uma nova ordem surgiria a partir da instabilidade, gerando um processo de auto-organização . É neste ponto que o sistema ‘escolhe’ um novo caminho a seguir. Importante ressaltar que as flutuações acontecem constantemente e em si mesmas não causariam nada, no entanto, seriam relevantes para o sistema se este as reconhecessem como uma oportunidade de mudança, crescimento.
A escolha neste ponto de bifurcação não seria determinada aleatoriamente, ao acaso, mas sim pelas escolhas do sistema nos pontos de bifurcação anteriores. Portanto, se quisermos saber quais as escolhas prováveis daquele sistema devemos perguntar sobre sua história anterior, a isto chamamos determinismo estrutural. O determinismo estrutural nos diz que tudo o que acontece é determinado pelo próprio sistema. Assim não podemos mais responsabilizar o ambiente por nossas escolhas, ou resultados das nossas escolhas; quem determina o que vivemos somos nós mesmos. Esta é uma capacidade inerente aos sistemas vivos chamada de autopoiese – a capacidade de criarem a si próprios. Portanto, um sistema vivo, como sistema autônomo, está constantemente se autoproduzindo, autorregulando, e sempre mantendo interações com o meio, onde este apenas desencadeia mudanças determinadas em sua própria estrutura, e não por um agente externo.
Objetividade versus Intersubjetividade:
– o pressuposto da objetividade (cartesiano): a crença de que é possível conhecer o mundo objetivamente tal como ele é na realidade, assim o observador deve abster-se da sua subjetividade. Nesse sentido, temos um observador capaz de se excluir daquilo que observa, exercendo a neutralidade e tornando-se um expert sobre seu objeto de estudo. Aqui se configura a exigência da objetividade como critério de cientificidade. Daí decorrem os esforços para suprimir a subjetividade do cientista, para atingir o universo, ou a versão única do conhecimento. Subjacente a essa busca de descrever o mundo eliminando toda a interferência do observador está a crença no realismo do universo. Acredita-se que o mundo e tudo o que nele acontece é real e que existe independente do observador.
– o pressuposto da intersubjetividade (sistêmico): trata-se aqui do reconhecimento da impossibilidade de um conhecimento objetivo do mundo. Esta idéia teve início quando Heisenberg, em 1927, postulou o princípio da incerteza, confirmando a indeterminação das partículas quânticas; o ato de observação influenciava o que se via. Se o observador sabe onde está a partícula não pode predizer a velocidade com que se move, se consegue medir sua velocidade não consegue saber onde irá se localizar em um dado momento. Posteriormente, por volta de 1980, Maturana e Varela, cientistas chilenos, escreveram uma serie de artigos, tais como A Árvore do conhecimento (1983) e Autopoiese e Cognição: a realização do ser viver (1979), propondo uma teoria cientifica do observador.
Não sabemos nada sobre a realidade, toda a nossa percepção da suposta realidade exterior é filtrada por nossos órgãos dos sentidos. O que acontece na realidade depende de quem a observa. A realidade em si não existe, o que existe é o observador, portanto, teremos tantas realidades quanto o número de observadores que com elas se relacionarem. Se o número de realidades existentes é igual ao número de observadores, não existe mais uma verdade única, mas sim múltiplas verdades criadas através de trocas intersubjetivas.
As trocas intersubjetivas acontecem através de espaços consensuais, que seriam um espaço de interação onde a realidade do outro valida a minha realidade, e assim se cria um consenso entre nós. A realidade é co-construída através da linguagem. No entanto, é importante ressaltar que esse espaço consensual jamais refletirá uma verdade, mas um espaço de consenso entre observadores. Substitui-se a preocupação com uma verdade única pelo reconhecimento de múltiplas verdades, de diferentes narrativas, não mais sobre “a realidade tal como ela existe”, mas sobre a experiência vivencial. (Maturana, 2001).
O Pensamento Sistêmico teve como precursor o biólogo austríaco Ludwing Von Bertalanfy, que no final da década de 30 elaborou a primeira formulação de um arcabouço teórico abrangente descrevendo os princípios de organização dos seres vivos, ao qual denominou de Teoria Geral dos Sistemas. Foi a partir desse momento que o pensamento sistêmico se tornou um movimento cientifico, porém foi apenas no inicio da década de 70, quando se uniu a Teoria Geral dos Sistemas à Teoria da Comunicação Humana de Watzlawick e à Cibernética de Foerster, que uma concepção sistêmica de vida, mente e consciência começou a emergir, sustentando a promessa de unificar vários campos de estudo que antes eram separados.
Sistema, como definido por Bertalanfy (1968), seria um complexo de elementos em interação ou um conjunto de componentes em estado de interação, usando como sinônimos os termos sistema, totalidade, organização. É a interação que constitui o sistema, tornando os elementos mutuamente interdependentes: cada parte estará de tal forma relacionada com as demais, que a mudança numa delas acarretará mudanças nas outras. Deste modo, para compreender o comportamento das partes, torna-se indispensável levar em consideração as relações. A concepção de sistema e o reconhecimento das interações vêm limitar a aplicação dos procedimentos analíticos da ciência, uma vez que os sistemas não são inteligíveis por meio da investigação de suas partes isoladamente. O todo é sempre maior do que a soma das suas partes.
Para citar um exemplo, pensemos no nosso Sistema Solar, que é um sistema dinâmico inserido em outro sistema, a Via Láctea (sistemas dentro de sistemas). Cada corpo celeste está intimamente relacionado com os demais, e se retirarmos um deles para estudá-lo separadamente, aniquilaremos sua organização, provocando sua falência – são as forças gravitacionais que juntas mantêm o sistema vivo.
Essa concepção de sistema como um todo integrado tem sido freqüentemente referida como propriedade holística. Holons em grego significa inteiro, completo, e o holismo então se refere à tendência, que se supõe própria do universo, a sintetizar unidades em totalidades organizadas. Entretanto, o pensamento holístico tem assumido outras dimensões e tem recebido outras conotações que o distinguem fundamentalmente do processo sistêmico, tal como concebido aqui. Capra (1996) considera que, enquanto o pensamento holístico lida com o todo, o pensamento sistêmico lida com as partes e com o todo. As concepções holísticas parecem privilegiar uma harmonia utópica que tenta afastar as contradições, as divergências, os conflitos, enquanto a abordagem sistêmica preserva o espaço das partes e de soluções mais concretas para as dificuldades que são inerentes às condições atuais da interação do homem com o universo.
Pensamento Sistêmico e Astrologia
Desde o Iluminismo no século XVIII é a ciência que tem ditado a forma de pensarmos e nos relacionarmos com o mundo. Se antes o método científico cartesiano era a única forma de produzirmos conhecimento, hoje, através do paradigma emergente, novas descobertas têm gerado novos questionamentos e atitudes. A Astrologia perpassa a História e tem se moldado através dos tempos sempre que novas necessidades se fazem presentes. É neste contexto que proponho algumas reflexões daquilo que considero fundamental para um avanço na prática astrológica que venha a acompanhar as mudanças que estão ocorrendo no âmbito da ciência centrada na complexidade.
A observação sistemática dos astros começou com os sumérios, que chegaram à Mesopotâmia por volta de 4 mil anos a.C. e formaram a primeira civilização letrada que se tem conhecimento. Nessa época a Astrologia era utilizada principalmente para a agricultura. Porém, foi antes do final do século V a.C. que o zodíaco assumiu na Babilônia sua forma quase idêntica à atual. No início, praticamente todas as previsões se relacionavam de algum modo com o bem estar do Estado. O rei era o único cliente do astrólogo, cuja principal tarefa era discernir a vontade dos deuses para orientar as decisões do governo.
A Astrologia de fato floresceu com o helenismo, que combinou as tradições gregas com as das terras conquistadas no Oriente Médio. Daí se originaram os nomes gregos para as constelações. Nesse momento, a Astrologia deixou de ser monopólio dos adivinhos do rei, e abriu-se para todo aquele com capacidade para entendê-la. Entrou em cena o horóscopo individual, avaliando as perspectivas do indivíduo a partir da posição dos astros no momento do nascimento. Contudo, a ascensão do Cristianismo baniu a Astrologia, que passou para a clandestinidade. Por volta do século XVII ela acabou alheia à ciência, sendo praticada somente pelas sociedades secretas, mas nunca deixou de influenciar a cultura popular através dos almanaques.
O primeiro astrólogo a fazer uma indicação do que poderia vir a ser uma Astrologia Sistêmica foi Dane Rudhyar (1936) na obra Astrologia da Personalidade. Neste livro ele usa o termo Astrologia humanística, para se referir a uma astrologia ligada aos conceitos da psicologia, sociologia e filosofia, o que representou um marco teórico responsável por muitas das produções que se seguiram. Sua astrologia é subjetiva e simbólica. Para ele, o mapa natal é considerado como o padrão do potencial da pessoa, descrevendo o que o individuo pode vir a ser caso se empenhe nessa direção. Este astrólogo foi o grande responsável pelo tipo de Astrologia que é feita hoje, e com certeza deixou as portas abertas para irmos mais além. Foi um gênio de sua época e seu legado é de suma importância.
Segundo ele, “o campo astrológico dos corpos celestes em movimento é como o campo das proporções lógicas. Nem um nem outro tem qualquer conteúdo real. Ambos são puramente formais, simbólicos e convencionais. E somente adquirem valor real em função das experiências da vida reais que eles servem para correlacionar. Isoladamente, a Astrologia e a matemática não têm substância. Mas revestem de coerência, padrão, ordem e lógica qualquer realidade substancial que seja a elas associada (p.54).”
Considero que é da natureza da Astrologia ser sistêmica. Enquanto linguagem simbólica, ela se relaciona com aquilo que existe dentro de nós, abre um canal de comunicação para o observador, proporcionando uma fonte ilimitada de interpretações, onde os paradoxos se relacionam e não se excluem. Ela nos proporciona criar a realidade conectando-nos com o que há em nossa essência. A questão é que a Astrologia é praticada por astrólogos e estes são influenciados pelo paradigma científico vigente, ou seja, cartesiano. É neste sentido que percebi a necessidade de escrever este artigo, para proporcionar uma nova visão de mundo que vai carregar consigo a prática da Astrologia para uma realidade mais abrangente.
Assim, dentro de uma visão sistêmica, dissecar o mapa astrológico em muitos pedaços seguidos de uma síntese, não nos levará à compreensão do todo, ou seja, do sujeito. O mapa astrológico, concebido organicamente, só pode ser entendido se relacionado ao seu contexto de atuação. Somente através do mapa não temos informação suficiente para uma interpretação, é preciso contextualizar o que queremos observar. Quando pensamos a respeito das características solares, por exemplo, estamos apenas falando de conceitos, de símbolos, não de pessoas. O mapa nos dá indicativos, mas é a pessoa que estamos estudando quem tem o poder de se revelar.
Muitos acreditam que o bom astrólogo é aquele que “acerta” na interpretação, seja através da leitura do mapa natal, seja através das previsões. Todavia, quando uma pessoa diz que o astrólogo “acertou” ela está apenas dizendo que comprou uma idéia dada por ele. Para que uma interpretação seja realmente eficiente ela deve possibilitar que a pessoa (ou cliente) crie a sua verdade – o bom astrólogo, a meu ver, não cria as possibilidades, mas sim dá espaço para que o outro se responsabilize por elas. O astrólogo então comunica os arquétipos (conceitos, idéias) em questão e a pessoa busca em si as vivências correspondentes, criando uma interpretação que abre possibilidades e nunca fecha as questões.
A astróloga Liz Greene (1987) conta que em muitos momentos presenciou situações onde o que a pessoa narrava não correspondia ao que estava em seu mapa e que nessas situações preferia acreditar no mapa. Porém, a questão crucial não é quem está certo ou quem está errado, o que importa de fato é que se uma pessoa não reconhece em si uma indicação de seu mapa, ela está apenas sinalizando que está vendo o mundo sob uma ótica diferente, e de que nada adianta tentar suprimir o indivíduo dentro de uma realidade que não se adapta à sua linguagem. Este é apenas um exemplo do que pode acontecer quando tentamos ver mapas ao invés de pessoas ou tentamos usar a nossa linguagem para descrever o universo de outrem.
Para ver pessoas precisamos em primeiro lugar ouvi-las. Atualmente, percebo que as pessoas procuram o astrólogo para que ele lhes diga quem elas são e o que acontecerá com elas. Toda a responsabilidade da consulta fica nas suas costas e isso gera a idéia de que o bom astrólogo é aquele que “acerta”. Grande parte das pessoas vê a Astrologia como uma coisa mágica, curiosa, adivinhatória, o que é estimulado pela mídia. É claro que não são todos os astrólogos que contribuem para essa visão, mas ainda existem aqueles que pensam serem os detentores da verdade, pois isso lhes proporciona uma posição de poder. Para realizarmos uma Astrologia sistêmica teríamos, antes de mais nada, que ouvir o cliente, saber de sua história, ou seja, saber das escolhas que ele tem feito nos momentos de crise e mudança ao longo de sua vida. Desta forma podemos dar a ele as ferramentas para que realize por si a interpretação, se responsabilizando por ela. Acreditar que os problemas estão no mundo “lá fora” gera atitude de esperar que as coisas se resolvam a partir de agentes externos.
Para que uma interpretação sistêmica aconteça é necessário abrir um espaço de diálogo e não de síntese. Quando usamos a síntese encerramos a questão: tese + antítese = síntese. Mas quando usamos o diálogo (como colocado por Morin – pensamento dialógico), podemos dar vazão aos diferentes pontos de vista sem que nenhum precise se sobressair como verdade única. Logo, fica claro que uma interpretação que não seja reconhecida pelo sujeito em um determinado momento pode trazer uma série de mudanças em outro, quando ele consegue através da sua linguagem criar um significado próprio para o aspecto em questão. Por isso acredito que a gravação do mapa é excelente, porque possibilita esses espaços de mudança ao longo do tempo. Mas curiosamente são poucas as pessoas que recorrem ao seu mapa tempos depois da leitura – e fico pensando porque isso acontece.
Então, o astrólogo sistêmico, tendo consciência de que não existe uma realidade objetiva e tudo o que vemos depende do observador, no momento em que ele dá respostas prontas para o cliente está falando também sobre si mesmo, o que em si não constitui um problema, ao menos se ele não tiver consciência disso. Quando o astrólogo faz interpretações de um mapa, ele tem presente sua própria subjetividade incluída no processo, não havendo a possibilidade de neutralidade. É também nesse sentido que considero que a única pessoa de que pode interpretar o mapa é ela mesma, mas sabemos que crescemos através das relações, por isso o encontro é terapêutico, como dizia Vinícius de Moraes: “a vida é a arte do encontro”. Assim, o horóscopo atua como intermediário entre o astrólogo, que sabe como traduzir esses símbolos em linguagem, e o indivíduo humano que precisa ordenar essa linguagem em conceitos que façam sentido para ele. Ambos se influenciam e criam espaços consensuais que satisfaçam ambas as partes.
Para finalizar deixo aqui algumas reflexões de um cientista pisciano, que considero extremamente pertinentes para continuarmos nos questionando de forma dialógica:
“Como é possível a integração permanente, quando existe um mundo dentro de você, que é parte de uma realidade objetiva comum, que parece o todo? O que é parte? O que é todo? De alguma forma a intuição é o elemento capaz de perceber o todo e as partes, uma via possível de nos inspirar e de construir a realidade. É impossível procurar por algo que não se conheça sem o fogo da busca de alguma transcendência, ou algo semelhante. Embora a intuição se construa permanentemente, ela se manifesta por descontínuos, e também não é imediata, daí decorre sua relação intensa com o pensamento sistêmico, ou seja, com o próprio processo vital. O tempo sistêmico vai além do tempo cronológico, dá continuidade ao tempo presente, tão bem representado em todas as culturas pela cruz, encontro do eterno com a temporalidade, e que é expressão da vida. É preciso ser um construtor de idéias e realidade, e observar como são parte e todo. Somos construtores da nossa imaginação.”
REFERÊNCIAS:
ARROYO, Stephen (1989). Normas práticas para a interpretação do mapa astral. São Paulo: Pensamento.
BRUSCH, Lúcio (2006). “Sobre a intuição e o contraditório”. In: AURÉLIO, L. A. et al. Pensamento sistêmico: caderno de campo. Porto Alegre: Bookman. (2006).
CAPRA, Fritjof (1996). A Teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix.
ESTEVES DE VASCONCELLOS, Maria José (2008). Pensamento Sistêmico: o novo paradigma da ciência. Campinas, SP: Papirus.
GREENE, Liz. SASPORTAS, Howard. (1987). O desenvolvimento da personalidade: seminários sobre Astrologia psicológica. São Paulo: Pensamento.
KUHN, Thomas S., (1962). A estrutura das revoluções cientificas. São Paulo: Perspectiva.
MATURANA, Humberto (1987). “O que se observa depende do observador”. In: THOMPSON, Willian Irwin (org.), Gaia: Uma teoria do conhecimento. São Paulo: Gaia, 2001.
MORIN, Edgar (1995). Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget.
Prigogini, Ilya (1996). O fim das certezas: Tempo, caos e leis da natureza. São Paulo: Unesp.
RUDHYAR, Dane (1936). Astrologia da personalidade. São Paulo: Pensamento.