A prática astrológica neutraliza o enorme abismo existente entre aquilo que entendemos como sendo o "mundo real" e o "mundo ficcional". Uma ponte entre mundos possíveis é criada, permitindo que o ente narrado seja mais do que meramente descrito. Ao ser interpretado, o ente é recriado.

É o trabalho interpretativo que permite uma refiguração, uma ressignificação, em que as vidas sobre as quais o astrólogo focaliza seu olhar passam a ser histórias narradas. E é justamente este trabalho de interpretação que ajuda a evitar a constante "repetição do mesmo" na vida de um sujeito. A pessoa interpretada é ao mesmo tempo transformada, pois novas possibilidades de agir e ser consonantes com sua estrutura simbólica lhe são apresentadas. A interpretação, portanto, irá se localizar num plano que vai muito além da "verdade" (no sentido de "verdade" entendido pelas ciências positivistas). Longe de estar comprometida com a descoberta de uma única verdade sobre o ser, a astrologia apresenta uma multiplicidade de "seres" válidos, e esta multiplicidade é, ao mesmo tempo, uma só pessoa.

Narrar um perfil astrológico é explorar um espaço imaginário, uma história válida, através da qual as experiências do pensamento se exercem sobre um modo hipotético.

A interpretação narrativa do astrólogo carrega consigo uma dimensão criativa que se sobrepõe à mera dimensão descritiva que as ciências positivas aplicam às coisas do mundo. Quando um astrólogo realiza uma leitura astrológica, esta nunca é isenta ou neutra, mas carrega consigo muito do olhar do intérprete sobre o interpretado. O astrólogo realiza escolhas, direções sobre as quais seu olhar é dirigido, enfatizando esta ou aquela configuração do mapa. Partes ressaltadas, partes diminuídas. Por isso que, diferente da análise de uma substância inanimada, o ente humano receberá diversas interpretações sobre seu mapa, e todas elas são reais na mesma medida em que nenhuma é "mais real" do que outra.

Por isso que, ao ter o próprio mapa lido por diversos astrólogos diferentes, o consulente receberá diversas interpretações possíveis. E, apesar desta grande vastidão de possibilidades, uma interpretação não contradiz a outra. Cada astrólogo apresenta um mundo possível, mas nenhum tem o poder de desvelar a "verdade inteira" de um sujeito. Nenhum astrólogo detém "a verdade", mas vislumbra aspectos desta.

A linguagem – instrumento que viabiliza a interpretação astrológica – não se limita a descrever uma suposta realidade. A linguagem, em verdade, cria uma nova realidade. E são estas criações e recriações que dão forma e sentido à experiência do sujeito sobre o qual se fala. Assim, a astrologia reformula a realidade: o olhar interpretativo do astrólogo intervém sobre o sujeito para o refigurar, metamorfoseando-o em algo que se por um lado é novo, é também o que ele sempre foi.

Por isso, a arte de interpretar um horóscopo não é uma função simplesmente mimética nem descritiva ou objetiva, mas é sobretudo narrativa e projetiva, gerando um dinamismo que movimenta o sujeito interpretado. Um movimento que retira o sujeito da idéia do "ser" enquanto substantivo e lançando-o na direção do "ser-sendo", o "ser" enquanto verbo que age no mundo da vida.

A função interpretativa, conforme a descreve o filósofo francês Paul Ricoeur, é uma ambição: a ambição de reconfigurar a nossa condição de suscetibilidade simbólica, elevando-nos a um estatuto de consciência destes símbolos. A partir desta consciência, o tempo se apresenta da seguinte forma: o futuro como um horizonte de expectativas; o passado como memória; o presente como emergência, como surgimento.

Todos os seres são linguagem condensada em carne. Deste modo, a interpretação se manifesta como um ato mágico, no qual o discurso (que se dá por intermédio da linguagem do astrólogo) transfigura e cria um novo outro, mais do que apenas o descreve. E a astrologia faz isso até mesmo quando emite uma interpretação que o outro considera "inválida", pois para que tal interpretação seja considerada "inválida" ela deverá, necessariamente, passar por um processo de reflexão. E é neste processo reflexivo que a reconfiguração se dá. O astrólogo está certo ou errado? Mesmo quando eventualmente erra, o astrólogo cumpre seu papel, pois liberta um mundo.

O dizer do astrólogo é, em verdade, um redizer que ativa o dizer do consulente. Nenhuma grande novidade é dita que o próprio sujeito não conheça por si mesmo. Salvo raros casos, obviamente. Mas ao dizer, a fala do astrólogo intensifica o que já havia, como uma palavra mágica, como o "abre-te, Sésamo" de Aladin na caverna mágica.

E o que dizer das previsões? É através de uma imaginação antecipadora dos futuros mundos possíveis que podemos jogar com todas estas possibilidades práticas que se descortinam. A antecipação do futuro possível torna este futuro presente.

Toda interpretação, seja na astrologia, seja na arte, abre o reino do "como se". Cada interpretação astrológica é uma variação imaginativa sobre o tempo e sobre as qualidades do tempo. O astrólogo apresenta uma personagem e, na medida em que a descreve, estimula o consulente a realizar analogias consigo mesmo. O consulente aceita coisas, às vezes rejeita outras, mas tanto no "aceitar" quanto no "rejeitar" ele não sai ileso. O consulente reflete e, refletindo, é transformado. Por isso que enfatizo nossa imensa responsabilidade: interpretar é criar.

LEITURA RECOMENDADA

GADAMER, Hans-Georg – "Verdade e Método I – Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica" – Editora Vozes.